Candidaturas sob a égide da impunidade
- Minha Baixada
- 19 de fev. de 2021
- 5 min de leitura
A sucessão de erros na prestação de contas do prefeito de Queimados pode gerar precedentes históricos

O parecer técnico de 14 páginas apresentado pela justiça eleitoral da cidade de Queimados, onde Glauco Kaizer (SOLIDARIEDADE) se elegeu como prefeito com 19.010 mil votos apresenta uma sucessão de erros crassos de prestação de contas de uma campanha eleitoral.
Os erros começam pelo relatório financeiro de campanha: nele houve descumprimento quanto à entrega dos relatórios financeiros de campanha no prazo estabelecido pela legislação, no que tange às doações de campanha.
Ainda sobre as doações de campanha, foram registrados mais de R$ 6 mil em doações para a campanha sem o envio à justiça eleitoral dos relatórios financeiros. Também foram identificadas doações financeiras recebidas de pessoas físicas ou de recursos próprios, inclusive mediante financiamento coletivo, de valor igual ou superior a R$ 1.064,10, realizadas de forma distinta da opção de transferência eletrônica, ou cheque nominal cruzado, entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, contrariando o disposto no art. 21, §1º da resolução do TSE nº 23.607/2019. A defesa disse que no momento da prestação de contas, a instituição financeira já teria encerrado sua conta de campanha, prejudicando a obtenção da microfilmagem do cheque para a devida averiguação.
Cabe ressaltar, que tanto o extrato bancário quanto o tipo de operação financeira registrada no SPCE pelo candidato, registraram depósitos em dinheiro, infringindo o disposto no Art 21. Dessa forma, como o candidato não comprovou outra forma de transação, faz-se necessário o recolhimento do valor. Esse tipo de erro pode caracterizar omissão de movimentação financeira, frustrando o controle de licitude de origem da fonte. A defesa do candidato acredita não haver irregularidade já que tratam-se de doações inferiores ao valor de R$ 1.064,10, caracterizando assim, como observa o art 43, §2º da resolução 23,607/2019, como doação de bens e serviços não representando gastos de campanha.
Outra questão levantada pelo parecer técnico da Justiça Eleitoral de Queimados foram as doações feitas por pessoas beneficiadas por programas sociais do governo, o que pode indicar ausência de capacidade econômica para fazer doações. A maioria dos doadores estavam recebendo auxílio emergencial do governo por conta da pandemia da Covid-19 e mesmo assim realizaram doações no valor de R$ 1.000,00 cada. Vale ressaltar, que a legislação eleitoral não obriga o candidato a verificar se o doador é beneficiário de programas sociais, bem como, inexiste vedação legal para que um favorecido de programas sociais possam fazer doações para campanhas.
A justiça eleitoral também não conseguiu identificar pelo menos 8 fornecedores da campanha, que totalizam gastos de R$ 2 mil reais, sendo R$ 250,00 para cada fornecedor. Neste caso, os CPF dos prestadores não foram encontrados no sistema da Justiça Eleitoral. Entre outros dados omitidos na prestação de contas está um gasto de R$ 9.200,00, os quais não correspondem as notas fiscais emitidas. A defesa alega que na verdade foram gastos apenas R$ 8.202,63 mas que ainda não havia recebido a diferença de R$ 997,37 a tempo da prestação para que possa depositar a sobra de campanha na conta do partido.
Também foram identificados recursos próprios aplicados na campanha que superavam o valor do patrimônio declarado pelo candidato, podendo revelar indícios de recursos de origem não identificadas no valor de R$ 1.050,00. A defesa disse que tratou-se de uma falha de lançamento e a mesma foi corrigida na retificadora.
Além da conta da campanha ter sido aberta com 11 dias de atraso, também há divergência entre a movimentação financeira registrada na prestação de contas e aquela registrada nos extratos bancários, com faltas de comprovantes e recibos das doações. Todas essas pendências foram corrigidas, segundo a defesa da campanha. Também há falta de informação sobre a posse de um carro utilizado pela campanha.
Mesmo a prestação de contas tendo sido apresentada intempestivamente, todas as irregularidades foram esclarecidas através de petição anexada ao processo. No entanto, a respeito das justificativas, o relatório de diligências aponta o descumprimento da legislação, no que se refere ao artigo 21 da Resolução TSE 23,607/2019.
A prestação de contas tem falhas graves como a falta de documentação comprobatória de gastos, levando o resultado da análise técnica empreendida na prestação de contas, manifestar-se pela desaprovação das contas do candidato Glauco Barbosa hoffman Kaiser e sua vice-prefeita Maise Justo Meirelles.
O processo foi encaminhado ao MPE para ciência. No entanto, para que haja algum efeito prático contra a chapa eleita, o Ministério Público Eleitoral precisaria abrir uma Audiência de Instrução e Julgamento caso identifique motivos plausíveis para pedir a cassação da chapa.
A desaprovação das contas não é suficiente para negar ao candidato a “quitação eleitoral”
Umas das principais finalidades da prestação de contas é verificar a lisura das arrecadações da campanha, com o intuito de manter a transparência das transações financeiras e impedir o famoso “caixa dois”, algo que não foi possível verificar na prestação de contas citada nesta matéria.
No entanto, segundo entendimento do TSE, a desaprovação das contas não é suficente para negar ao candidato a “quitação eleitoral” que lhe garante a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha eleitoral. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009.)
Em junho de 2012, ao excluir o § 2º do art. 52 de sua Resolução nº 23.376/2012, que dispunha acerca da suspensão de quitação eleitoral a candidatos que tivessem suas contas rejeitadas, o TSE levou a crer que o entendimento adotado seria, de fato, o mais benéfico aos candidatos e logo, a apresentação das contas de campanha torna-se suficiente para a obtenção da quitação eleitoral, nos termos do art. 11, § 7º, da Lei nº 9.504/1997, alterado pela Lei nº 12.034/2009.
Ou seja, o candidato que tiver suas contas reprovadas não será preso e será diplomado sim, o que deixa a prestação de contas sem qualquer efetividade como observou o estudioso chefe de cartório Márcio Oliveira, estudioso do tema prestação de contas em seu artigo: O mito das prestações de contas eleitorais II: a falácia da desaprovação.
“Dessa forma, pode-se perceber que o reiterado e recente posicionamento do TSE tem sido pela concessão de certidão de quitação eleitoral aos candidatos que tenham apresentado suas contas de campanha, ainda que estas tenham sido desaprovadas. Isso significa, portanto, que o entendimento da Corte Superior Eleitoral tem se fixado nos termos da literalidade do que foi estabelecido pelo art. 11, § 7º, da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997)”, destaca, a advogada Maria Letícia Rodrigues Guimarães Araújo Resende, advogada em seu artigo: A desaprovação das contas de campanha e a quitação eleitoral: a evolução do entendimento do Tribunal Superior Eleitoral. Disponível no endereço eletrônico:
A grande questão levantada é: mesmo não se tratando de grandes valores não identificados na prestação de contas do prefeito eleito de Queimados, Glauco Kaiser, há uma grande sucessão de erros crassos, que geram precedentes históricos do que não se deve fazer em uma prestação de contas, e a falta de punição nestes casos, levam ao descrédito da justiça eleitoral, e a falta de lisura das próximas campanhas já que estão sobre a égide da impunidade.
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