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Série: ESCRITOS HISTÓRICOS: Pele Negra, Máscaras Brancas - uma análise sobre racismo estrutural

  • Foto do escritor: Dine Estela
    Dine Estela
  • 20 de set. de 2021
  • 8 min de leitura

Atualizado: 28 de nov. de 2022


O livro de Fanon ´Pele Negra, Máscaras Brancas` ainda revela nos dias atuais, traços do racismo estrutural.


A primeira interpretação que eu fiz deste texto foi em setembro de 2020 em que destacávamos o fato de termos um negro falando de negros. Frantz Omar Fanon era um psiquiátra negro e jovem, natural da ilha da Martinica que morreu aos 36 anos de pneumonia quando ainda se tratava de uma leucemia. Dirigiu o Departamento de Psiquiatria do Hospital Blida-Joinville na Argélia (hoje renomeado como Hospital Frantz Fanon) e tornou-se membro da Frente de Libertação Fanon. Existem quatro livros impressos sob sua autoria. Cada um deles é um clássico, marcando presença no cânone filosófico da Diáspora Africana.


Fanon vai para a França lutar na guerra acreditando ser um francês, percebe um apartheid, é considerado um autor das encruzilhadas, multidisciplinar. Ele era membro do partido comunista francês. Entrou no Brasil no final dos anos 70 como exilado político e fazia um debate de compreensão de classe através do movimento negro. Como psiquiatra, Fanon defendia que o cuidado na saúde mental precisava pensar toda a sociedade e onde estes indivíduos estariam inseridos.


Fanon não chega a afirmar em seu livro - Pele Negra, Máscaras Brancas, que a colonização ou o processo de escravização do homem tenha sido um estágio de loucura da humanidade, mas analisa as atitudes sob vários campos da psiquiatria, psicologia, ciência, cultura e até mesmo a filosofia, um de seus campos de estudos.


A Escravidão ainda está presente na história da humanidade porque apesar de várias nações terem abolido essa prática que vitimou negros, brancos, amarelos, judeus, no entanto, muito mais aos negros africanos, ainda existem países na Índia e até mesmo no continente africano que utilizam esses parâmetros ilegais. Estimativas indicam que existam, hoje, 29,8 milhões de pessoas que vivem em regime de escravidão. A África é o continente que tem a maior concentração de escravos no mundo. A região do Paquistão e Índia também não fica muito atrás (a Índia, inclusive, é o país que mais tem escravos em números brutos: quase 14 milhões de pessoas). Os dados são do Global Slavery Index, que estima o número de escravos nas nações.


Quase, um ano depois, em junho de 2021, voltamos aos mesmos questionamentos, endossados por novas e corriqueiras experiências de um intelectual negro falando da cor de sua própria pele. O livro - Pele Negra, Máscaras Brancas escrito por Frantiz Fanon em 1952 quando ele tinha apenas 25 anos, essa que seria sua tese de doutorado recusada pela banca, reeditado em 1975 e traduzido para o português por Renato da Silveira em 2008, revela muito do auto-conceito do autor sobre os negros, ou seja, sobre a sua própria cor, mas também desmascara a hipocresia de uma sociedade inteira, inclusive à de negar o racismo.


Mas essa releitura dos conceitos de Fanon mais apurados de maneira tardia, não é uma prerrogativa somente de quem escreve esse artigo, somente na década de 80, quando os estudos pós-coloniais conquistaram uma posição sólida no ambiente acadêmico do Primeiro Mundo, leituras mais cuidadosas das outras obras de Fanon começaram a aparecer em publicações. Foi somente nos anos 90, entretanto, com a ascensão da filosofia da Diáspora Africana, que a riqueza teórica do “pensamento inicial” de Fanon obteve reconhecimento.


O livro em análise neste artigo, foi escrito em uma época em que o racismo contra os negros era considerado uma doença peculiar das sociedades anglófonas especialmente nos Estados Unidos, Grã-Bretanha, Austrália e África do Sul. Um tempo em que a indiferença à cor significava dar suporte a uma cor específica: o branco. Algo muito atual em pleno século XXI em que reclamar de um tratamento racista é considerado por muitos como `vitimismo`, transformando a pessoa negra em problema, em detrimento do problema real que ainda é o racismo. Basta um olhar mais atento para as atitudes para se identificar o racismo estrutural em plena função.


Fanon faz uma análise tão aprofundada da questão do racismo estrutural que nos remete à repensar como o negro foi uma criação do colonizador para abalizar sua dominação territorial e psicológica. Até os dias atuais, ainda se vê o negro como ser inferior, que deva ser por tanto, escravizado, colonizado, aculturado e sujeito a todo o tipo de humilhação, assim como a sua religião, principalmente se essa for de matriz africana. Até este ponto muitos devem concordar, mas o fato de os próprios negros se aceitarem com tais características e viverem sob dominação, há controversas, a história não deixa dúvidas de que houve muitas batalhas, os negros não foram passivos a esta situação e quando não podiam lutar, se suicidavam e muitos corpos ficaram pelos mares do Oceano Pacífico, indico e principalmente o Atlântico.


Também fica claro que muitos negros acabaram sendo iludidos pela inferioridade criada pelos colonizadores de que eles são inferiores e por isso, até hoje vemos muitos tentado se igualar aos brancos, aumentando ainda mais o racismo.


Fanon nos leva a repensar o Novo Humanismo que execra quem odeia o preto, tanto quanto quem adora. Assim como os pretos que querem embranquecer e os que odeiam os brancos. Para ele, todos estão doentes mentalmente. Ele acredita que: ´apenas uma análise psicanalítica e também sociológica do problema pode revelar as anomalias afetivas responsáveis pela estrutura dos complexos`.


Vale ressaltar, que não estamos falando aqui do negro que passou a viver na França e dominar seus costumes e idioma e que voltou quase que genéticamente modificado e sendo visto pelos compatriotas como um semi-deus por ter pisado fora da colônica, ou seja, que tenha se ´evoluído`. Não é deste humanismo negro que queremos destacar da obra de Fanon. Muito menos do negro que ficou na sua tribo e que não sabe falar a língua do colonizador, ou que nunca tenha pisado em terras francesas ou qualquer outra terra do dominador. O Ser Negro ou Ser Humano aqui, vai além do limite da linguagem, da cultura, da economia é o que queremos destacar na obra de Fanon.


Como chegar à gene humana, através da inteligência ou filosofia. Para Fanon, nenhuma destas duas características bastaria:

digo: a inteligência também nunca salvou ninguém, pois se é em nome da inteligência e da filosofia que se proclama a igualdade dos homens, também é em seu nome que muitas vezes se decide seu extermínio. (Fanon, 1975).


Ser mais inteligente, saber falar outras línguas, estudar em escolas de alto nível acadêmico, nada disso foi suficiente para Fanon se sentir menos negro, pelo menos num primeiro momento, assim que ele voltou da guerra em favor da França. A dialética de que a língua une os povos pode funcionar muito bem entre os brancos, mas para os negros foi mais um divisor de águas para separar ainda mais o negro de sua comunidade.


Ao aprender a língua do colonizar, o negro também teve de assimilar seu modo de pensar e agir, ou seja, aderir à sua cultura, o que o afastou ainda mais de sua origem. Para os colonizadores essa foi uma maneira eficaz de perpetuar sua cultura da evolução. Fanon destaca que se dirigia até mesmo aos bicots no francês correto, que não é sua língua nativa e acreditava ser essa a melhor maneira de falar com seus irmãos africanos:


Quanto a mim, dirijo-me sempre aos bicots em francês correto, e sempre fui compreendido. Eles me respondem como podem, mas me recuso a adotar qualquer postura paternalista.


Então respeitar o idioma nativo é ser paternalista? Se ele estimula que o africano valorize as suas origens e se comporte como um nativo, porque ao falar com seu povo ele prioriza a lingua do colonizador como se isso fosse valorizar sua atitude perante ao negro nativo que aprendeu a falar o frances. Ou seja, isso é dizer que realmente a cultura colonizadora é a que esta correta ou é a melhor a ser seguida em detrimento da nativa. Ou pior: que é melhor seguir o fluxo, já que todos já estão sendo obrigados a se comunicar na língua do colonizador. Isso é uma contradição e uma grande traição de seu texto de revolução contra a colonização. O que para ele, falar na língua nativa seria depreciativo ou até mesmo desrespeitoso, já que seus irmãos sentiriam-se menos inteligentes se falassem somente na língua nativa, a meu ver, é exatamente o contrário: seria respeitar a sua própria cultura. Mas neste caso, entende-se que o lugar de fala de Fanon era também de um negro colonizado e para ele, parecer ´evoluído´era fundamental.


`Falar uma língua é assumir um novo mundo, uma cultura`, diz Fanon. Ele acrescentava que falar o francês abre portas para o mundo dos brancos. `Historicamente é preciso compreender que o negro queria falar o francês porque era a chave susceptível de abrir as portas que, há apenas cinqüenta anos, ainda lhes eram interditadas`. Assim fica melhor de entender sua atitude perante um antilhano ao falar em francês e não na língua nativa.


A mulher negra na sociedade de Fanon


Fanon cita um trecho de um livro escrito por uma mulher negra em que ela é questionada sobre o porquê ama um homem branco e ela responde: “Tudo o que sei é que tinha olhos azuis, que tinha os cabelos loiros, a pele clara e que eu o amava” Mas na verdade ela o amava porque aquela relação poderia lhe oferecer um pouco de brancura ou embranquecer sua vida, como se isso fosse possível aos olhos daquela sociedade racista.

O autor recorre às teorias de Hegel, Sartre e até Freud para tentar explicar a concepção do mundo do homem de cor. Mutos negros recorreram também aos brancos para se embranquecer, acreditando que falar a língua do branco, se vestir como eles e estudar nas mesmas escolas, seria o suficiente, mas na verdade, não foi e não seria necessário se os negros respeitassem a sua própria cor e cultura, acima de tudo e de todos. Que entendessem a aculturação como simples aculturação. Ou seja, uma cultura que lhes impunharam e que não era a deles. Não digo para que não assimilassem e aproveitassem a oportunidade de ter acesso a ela, mas que não rejeitassem a sua própria cultura. Mas ao contrário do proposto aqui e ancorando-se na aneurose dita de abandono, de natureza pré-edipiana, aos verdadeiros conflitos pós-edipianos descritos pela ortodoxia freudiana, as mulheres negras acreditavam que ter relação sexuais com um homem branco e vice-versa as tornavam mais brancas. Essa não-valorização de si é destacada por G. Guex, La névrose d’ abandon, pp. 31-32 no livro de Fanon.


Esta não-valorização de si, enquanto objeto digno de amor, tem graves consequências. De um lado mantém o indivíduo em um profundo estado de insegurança interior, e por isso inibe ou falseia qualquer relação com o outro. O indivíduo duvida de si próprio enquanto objeto capaz de suscitar a simpatia ou o amor. A não-valorização afetiva é observada unicamente nos seres que sofreram uma carência de amor e de compreensão durante a primeira infância. (G. Guex, La névrose d’ abandon, pp. 31-32).


Fanon entende que uma outra solução é possível mas que ela implica uma reestruturação do mundo. O autor vai levantar a hipótese da existência de um complexo de inferioridade como algo pré-existente à colonização, citando outros autores que discorrem sobre este tema como: O. Mannoni, Psychologie de la colonisation, Ed. du Seuil, p. 32:


Podemos dizer que, quase em todos os lugares em que os europeus fundaram colônias do tipo aqui “em questão”, eles eram esperados e até mesmo inconscientemente desejados pelos nativos. Em todas as partes, lendas os prefiguravam sob a forma de estrangeiros vindos do mar e destinados a trazer benefícios.

Até hoje, em pleno século XXI, me pergunto o que faz o homem se achar melhor do que o outro partindo do princípio da cor da pele. Esse texto de Sir Alan Burns, Le préjugé de race et de couleur, Payot, p. 14 deixa muito clara essa explicação:


O preconceito de cor nada mais é do que a raiva irracional de uma raça por outra, o desprezo dos povos fortes e ricos por aqueles que eles consideram inferiores, e depois o amargo ressentimento daqueles que foram oprimidos e frequentemente injuriados. Como a cor é o sinal exterior mais visível da raça, ela tornou-se o critério através do qual os homens são julgados, sem se levar em conta as suas aquisições educativas e sociais. As raças de pele clara terminaram desprezando as raças de pele escura e estas se recusam a continuar aceitando a condição modesta que lhes pretendem impor.

Racismo reverso - o negro contra o negro


A questão levantada por Fanon sobre o racismo reverso em que ele identifica um racismo entre negros, no que tange ao fato de quando um negro não aceita mais a evolução do outro, ou se afasta pelo simples fato de não querer estar no meio dos irmãos de cor por achar que isso o desvaloriza perante a sociedade evoluída, é quastionada por alguns pensadores deste século XXI que vão dizer que como o racismo é uma discriminação entre raças, isso não se aplica nestas situações sitadas acima. Vale ressaltar, que no Brasil o racismo é um crime inafiançável e imprescritível, previsto na Lei Lei nº 7.716/1989.



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